sábado, 3 de agosto de 2019

Sobre a demissão do diretor do INPE e declarações do presidente Bolsonaro

Faz um tempo que não me manifesto sobre política na minha timeline, mas aqui estou mais uma vez.

A declaração do presidente da república sobre os dados de satélite do INPE foi realmente insultuosa. Ele disse que os dados eram mentirosos, atacando assim a integridade e o profissionalismo da equipe de profissionais do INPE envolvidos no monitoramento de desmatamento.

O então diretor do INPE, o prof. Ricardo Galvão, não se limitou a argumentar contra a afirmação do presidente, mas contra-atacou. Disse que o presidente se comportava como se estivesse falando no "botequim". Comparou as palavras do presidente a uma piada de garoto de 14 anos.

Depois disso, a situação ficou insustentável. Não quero com isso fazer nenhum juízo de valor. Estou apenas constatando os fatos.

A bem da verdade, a taxa de desmatamento da Amazônia vem diminuindo ao longo dos anos desde o seu pico em 2000 (veja figura abaixo). Houve um pequeno aumento nos últimos anos. Percentualmente, esse aumento é elevado, mas ainda assim a taxa é muito menor do que era antes. Em 2019, a tendência de aumento continuou. Trata-se de um sinal amarelo, não uma evidencia catastrofista de que sob Bolsonaro a Amazônia está sendo devastada a uma velocidade sem precedentes.

Há um outro problema: todas as estatísitcas precisam ser acompanhadas de uma incerteza. Assim como nas pesquisas eleitorais, existe margem de erro. Qual a margem de erro desses dados? Infelizmente, o INPE não fornece esse dado de forma clara e explícita como nas pesquisas eleitorais.

Claramente, há um interesse de desgastar a imagem do presidente dentro e principalemte fora do Brasil, passando a idéia de que já está em curso uma grande destruição da Amazônia. Por outro lado, o presidente não tem conseguido fazer valer sua opinião política com bons argumentos.

Minha opinião: (i) o INPE tem que continuar fazendo bem o seu trabalho de monitoramento ambiental; (ii) um certo nível de desmatamento é aceitável, contanto que isso resulte em desenvolvimento social e econômico. O monitoramento é essencial, para que a sociedade possa saber o quando é desmatado e com que finalidade.



quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Pequena nota sobre os limites da Física



A Física é meramente o estudo das propriedades essenciais e acidentais, quantitativas, dos entes materiais, incluindo na definição de matéria os corpos massivos e a radiação.

A Física não esgota a realidade. Nem mesmo esgota a realidade dos entes materiais, pois as propriedades essenciais ou acidentais não quantitativas, embora existentes, não são objeto de estudo da Física.

Um dos grandes erros dos físicos é acreditar que a função de onda das partículas ou de um sistema de muitas partículas são as próprias partículas. O elétron não é sua função de onda. Na melhor das hipóteses, a função de onda representa um de seus possíveis estados, relativos a propriedades acidentais (posição, instante, energia, momento). Nem mesmo representam suas propriedades essenciais, tais como massa e carga, que são conhecidas por experimento, e nunca derivadas de uma função de onda, mas apenas da experimentação.

A Física, embora extremamente útil do ponto de vista prático, não tem alcance Metafísico nenhum. Ou seja, realmente está em uma esfera inferior do conhecimento, como já tinha identificado Aristóteles.

A idéia de que estamos em uma simulação é um dos maiores absurdos que apareceram nos últimos tempos. Ainda que a Física possa um dia fornecer as bases para uma simulação computacional quase perfeita da aparência das coisas (isto é, como elas refletem ou produzem luz e como se movimentam), ela por si só não pode trazer nada à existência.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

A lenda sobre o desempenho de cotistas nas universidades brasileiras

Existe uma lenda disseminada pela mídia de viés esquerdista de que alunos cotistas tem desempenho superior aos não cotistas na maior parte dos cursos, por que "se agarram com mais afinco à unica oportunidade que tiveram na vida".
Na realidade, o que os dados demonstram, em um estudo realmente sério sobre o desempenho de alunos na Universidade que implementou as cotas pela primeira vez, é que o CR dos não-cotistas é maior que o dos cotistas na maior parte dos cursos. A situação se agrava terrivelmente nos cursos considerados difíceis.
O ponto aqui não é criticar o princípio supostamente bonito por trás da política de cotas, mas mostrar que ela poderá ter consequências ruins para a sociedade como um todo e sobretudo para o sistema de ensino superior público.
Com desempenho sistematicamente inferior, a sociedade pode começar a desenvolver preconceito contra profissionais cotistas. Além disso, pode haver uma migração das classes abastadas e melhor educadas em nível básico para as instituições particulares, fortalecendo-as e diminuindo o prestígio das Universidades Públicas.
A melhor solução para o problema da desigualdade de oportunidades seria a melhoria da Educação Básica, acompanhada de uma política de apoio a alunos de baixa renda, sem distinção racial.
A política de cotas pode favorecer um cenário futuro com muitas Universidades particulares de ponta e prestigiadas, acompanhado de uma piora geral nas Universidades públicas.

Link para o trabalho citado: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v22n82/a03v22n82.pdf

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Fake news na ciência: o caso Bohannon

A grande mídia frequentemente veicula opiniões em favor da ciência contra o obscurantismo ameaçador produzido por fantasmas que ela mesmo inventa para rotular seus inimigos. Na realidade, a dinâmica da ciência é muito complexa de modo que pouquíssimos jornalistas estão realmente habilitados para analisar a qualidade e a credibilidade de resultados científicos.

Prova disso foi o famoso estudo fabricado pelo biólogo e jornalista científico John Bohannon em 2013 sobre os efeitos da dieta baseada em chocolate amargo. Sua idéia foi fabricar um estudo enviesado que corroborasse a tese frequentemente difundida por gurus da nutrição de que chocolate amargo faz bem para saúde. Com isso, ele queria verificar a extensão da difusão dos resultados pela mídia e testar a eficácia dos mecanismos de verificação de fatos e versões.

Com um pequeno orçamento à sua disposição, Bohannon conseguiu alguns voluntários para sua pesquisa. Com uma pequena amostra de quinze pessoas, 11 mulheres e 4 homens, três grupos de cinco pessoas foram formados; a um dos grupos foi dada a instrução de seguir uma dieta de baixo nível de carboídrato; ao segundo grupo foi dada a mesma diretiva mas com o acréscimo de 42 g de chocolate amargo na dieta diária; ao terceiro grupo, chamado controle, não foi dada nenhuma instrução quanto à dieta.

Todos os participantes tiveram que responder antes de iniciar o programa a um questionário para verificar se as dietas não poderiam lhes ser prejudiciais à saúde. O tempo de duração da dieta seria de 21 dias, durante os quais os participantes teriam que se pesar todos os dias ao menos uma vez, inclusive os do grupo controle. Ao término desse período, os participantes fizeram alguns exames de sangue e responderam a um novo questionário, perguntando, por exemplo, sobre a qualidade do sono durante a realização do programa.

Com a assistência de um estatístico conhecido seu, Bohannon estabeleceu uma metodologia calibrada para produzir falsos positivos. De acordo com essa metodologia, um total de 18 variáveis foram testadas, entre elas o peso ao final do programa, velocidade de perda de peso, qualidade do sono, bem estar, concentração de colesterol e sódio no sangue etc. Chegaram à conclusão de que o grupo da dieta com chocolate amargo perdeu peso a uma velocidade 10% maior. Além de essa diferença ter sido estatisticamente significativa, este grupo também apresentou menores níveis de colesterol e relatou maiores níveis de bem-estar.

Esses resultados caíram como uma luva em um contexto do jornalismo em que notícias sobre fatos nutricionais dão imensa audiência. Bohannon contou com a ajuda de uma jornalista para produzir uma matéria simplificada e pictórica do estudo, que acabou sendo utilizada como fonte primária dos jornais e agência de notícias que passaram a difundir os resultados. Muitos acreditaram no estudo e me lembro que na época ele chegou a ser difundido no Brasil.

Mas por que o resultado de Bohannon não merece credibilidade? De fato, o que pode ser afirmado é que com grande probabilidade o estudo dele produziu um falso positivo, afinal de contas, seu método foi desenhado para aumentar a chance de produzi-lo. Como foram testadas muitas variáveis em uma amostra pequena, existia uma probabilidade não desprezível de que uma variação aleatória produzisse diferenças estatisticamente significativas. Sempre que médias de certos parâmetros - como o peso e nível de colesterol - de grupos distintos são comparadas, é necessário estabelecer um certo nível de significância em testes de hipótese. Tipicamente, o nível de significância adotado é de 5%, ou seja, existe uma chance em 20 de que um determinado teste resulte em falso positivo. Como foram realizados 18 testes no total, já que foram estabelecidos 18 parâmetros, a chance de obter um falso positivo pode ser calculada em 60%. O próprio Bohannon disse que tiveram sorte de que o provável falso positivo tenha ocorrido em parâmetros de maior relevância, como a velocidade da perda de peso.

Se Bohannon não tivesse admitido a farsa, certamente cedo ou tarde a comunidade científica teria percebido o engodo. Mas este processo é lento, deixando tempo suficiente para que resultados mirabolantes sejam difundidos pela grande mídia. Durante a fase de maior divulgação dos resultados pela grande mídia, Bohannon foi contatado por grandes agências de notícias, e também pelos seus investigadores. No entanto, a verificação limitava-se a assegurar a existência de Bohannon, ou de que era ele mesmo quem estava respondendo às perguntas. Não houve nenhum esforço de fazer uma revisão mais profunda do estudo ou de consulta aos pares. 

Portanto, nós temos todo o direito e dever de questionar e duvidar das afirmações da grande mídia. O próprio Bohannon reconhece que foi possível enxergar alguma luz de esperança ao ler os comentários críticos e bem fundamentados de leitores dos sites em que os resultados fabricados foram anunciados.

Não é sem razão que muitos acusam a grande mídia de produzir "fake news". Se neste caso se verificou tamanha displicência e preguiça, o que esperar da cobertura sobre política e economia, por exemplo? Há muito tempo que guardo fortes reservas quanto às opiniões veiculadas na grande mídia em geral. Muitas vezes verifico facilmente a tendenciosidade que beira à pura militância mal disfarçada. Haveria ainda muito mais a afirmar sobre os maus hábitos da grande mídia. Por enquanto me limito a comemorar a sua gradual perda de influência e credibilidade, esperançoso de que algum dia todos estejam vacinados contra os seus vícios. 



sábado, 8 de abril de 2017

Um alquimista no Acre

Ontem, fiquei sabendo por meio de um telejornal sobre o desaparecimento de um jovem de 24 anos de idade, no estado do Acre. Dentre os muitos desaparecimentos que ocorrem por ano no Brasil, o que surpreende nesse são as circunstâncias bastante peculiares. Bruno Borges, o desaparecido, transformou seu quarto em um livro aberto, tendo ilustrado as paredes, teto e chão com diagramas e códigos, além de alguns quadros com símbolos e figuras misteriosas e uma reprodução fac-símile da estátua de Giordano Bruno. Sobre a mesa, foram deixados 14 volumes de sua obra, todos em escrita criptografada.

Os pais não sabem do paradeiro do filho e demonstram consternação e sofrimento pelo ocorrido. Ao mesmo tempo, dão um testemunho positivo a respeito de seu comportamento ao longo da vida, por meio de muitos bons exemplos. Além disso, tratam com respeito e admiração a obra do filho, e acham que ela merece receber atenção e ser conhecida por estarem seguros de que contém uma mensagem boa e talvez nova para a humanidade.

Tem circulado nas redes sociais vídeos e opiniões sobre o assunto. O interesse de muitos foi despertado e, se o desaparecimento foi desejado por Bruno para chamar a atenção para a sua obra, certamente ele a conseguiu.

Diante dessa situação, é possível fazer muitas perguntas, entre elas, podemos destacar: há alguma mensagem nova nesses escritos?

Não será possível responder essa pergunta sem antes ler os livros. Mesmo assim, podemos partir da análise de uma página decriptografada para chegar a algumas conclusões. A análise dos símbolos e pinturas merece uma análise à parte, que talvez tratemos em um post futuro.

Reproduzo abaixo o texto decriptografado:


"Caminho difícil

Por milhares de anos o ser humano vem tentando encontrar respostas para perguntas como 'qual o sentido da vida'? A filosofia que, ao que tudo indica, parece ter se iniciado com Tales de Mileto em meados de 700 a.C. visa encontrar vestígios de perguntas sem respostas. A pesquisa profunda pela verdade absoluta advém da filosofia, e quando falamos a respeito de caminhos fáceis ou difíceis estamos nos referindo a esse tipo de teorema.

É fácil aceitar o que desde criança te ensinaram que é errado. Difícil é, quando adulto, entender que te ensinaram errado o que desde criança você suspeitou que fosse correto. Em outras palavras, se você se enquadra em algum cujos estímulos do meio lhe determinaram certo comportamento, fazendo com que estivesse à mercê de crenças já providas e bem estabelecidas em dogmas e rituais, com uma massa concentrada de pessoas nela; ou permitindo-o ficar no conformismo, aceitando o conceito de felicidade e de sentido da vida embutido pela mídia e pela sociedade, então claramente você faz parte do caminho fácil para a busca da verdade absoluta.

Acaso se enquadre na segunda opção, ou seja, aquele que suspeitava de todo conjunto de crenças que lhe foi enraizado, então este tem tudo para ser um investigador da veracidade nas coisas ao seu redor, entrando em um caminho mais complicado, no qual uma minoria se arrisca ou enfrenta com bravura."

Este texto parece ser introdutório e por esse mesmo motivo ajuda a compreender um pouco do sentido e objetivos do que vem a seguir (que nós ainda desconhecemos). Pelo título, "Caminho difícil", podemos entender o sentido do todo, como veremos a seguir. Qual é o caminho difícil a que o autor se refere?

No primeiro parágrafo, o autor afirma que convem à filosofia buscar a resposta para as questões mais fundamentais, como por exemplo, 'qual o sentido da vida?'. Isto é algo consensual, embora haja um enorme debate a respeito da possibilidade da filosofia, com seus métodos, ser capaz de dar uma resposta para elas. Há também hoje em dia um enorme debate, que divide opiniões, sobre o conceito de verdade ou verdade absoluta. Em todo caso, parece que o autor acredita na existência de uma verdade, isto é, uma resposta verdadeira para as perguntas da filosofia, embora o caminho para obtê-las seja difícil. A frase "quando falamos a respeito de caminhos fáceis ou difíceis estamos nos referindo a esse tipo de teorema" é obscura, pois filosofia não é um teorema, e o texto em nenhum momento fez referência a um teorema na acepção rigorosa da palavra, que se aplica ao campo da matemática apenas.

No segundo parágrafo, o autor manifesta sua opinião de que nos são dados ensinamentos errados na infância em oposição à intuição sobre a verdade nas crianças. O autor não dá nenhum exemplo aqui. Menciona também as respostas oferecidas pela sociedade e sobre os que se conformam e os que não se conformam com elas. Na opinião do autor, apenas uma minoria vai buscar suas próprias respostas, entre as quais ele se inclui. 
 
No último parágrafo, o autor instiga a desconfiança a respeito de tudo o que foi ensinado, para que seja empreendida uma investigação pessoal a respeito da veracidade das coisas, caminho que ele considera ser mais complicado.

De fato, parece-me mesmo possível fazer a distinção entre pessoas que apenas desistem quando estão convencidas com a resposta para um questão que formularam em seu interior e aquelas que estão propensas a aceitar uma resposta mesmo que não a convença completamente. No entanto, nós podemos estar ora no primeiro grupo ora no segundo. Pode ser que alguém seja indiferente à pergunta 'qual o sentido da vida?', aceitando qualquer resposta, sem ir à fundo na sua investigação, mas talvez não fiquem tão desinteressados quanto à pergunta 'qual a causa de minha doença e qual seu diagnóstico?', e queiram chegar à resposta verdadeira para obter a cura de seu mal.  O autor parece delimitar aqui a busca por respostas às perguntas fundamentais, tais como 'qual o sentido da vida?'.

De fato, vários pensadores se debruçaram sobre essas questões, desde a antiguidade. Há várias respostas para elas. Ficaremos sabendo quais as respostas a que Bruno chegou  e como elas se assemelham com a dos pensadores antigos após conhecermos todo o conteúdo de seus livros. Encontraremos alguma novidade?

Frequentemente, na história das religiões, surgem grupos que consideram possuir os conhecimentos necessários para a plena realização espiritual. Outro traço distintivo é o princípio de que tais conhecimentos devem ter uma dimensão esotérica, isto é, devem ser revelados, geralmente em etapas, apenas para indivíduos cuidadosamente selecionados, não sendo acessível ao grande público. Muitos grupos deste tipo ainda existem. Alguns autores (e.g. Réne Guénon) sustentam a tese de que até mesmo as religiões tradicionais, como o Cristianismo e Islamismo, tem ou tiveram uma dimensão esotérica e que ela seria necessária para a sustentação da dimensão exotérica, isto é, a dimensão dos ensinamentos e ritos destinados às massas.

A idéia de que a plena realização espiritual só é possível por meio de um empreendimento pessoal de busca do conhecimento está na raiz do que ficou conhecido como gnosticismo. Essa tendência vai na contra mão dos ensinamentos das religiões tradicionais. No cristianismo, por exemplo, a fonte da salvação é a Graça, um dom de Deus, que é capaz de atuar independentemente do empreendimento pessoal em busca de uma verdade transcendente. A própria história narrada no Novo Testamento comprova que o Messias não estabeleceu escolas iniciáticas e sistemas esotéricos, mas antes enviou o Espírito Santo para que abrisse a mente dos discípulos à compreensão de verdades transcendentes. Se São Tomás de Aquino chegou a compreender muito bem verdades filosóficas com o uso da sua razão natural, jamais poderia ter chegado a conhecer verdades mais elevadas sem a Luz do Espírito Santo.

O gnosticismo e as religiões mistéricas são tão antigas que hoje é difícil pensar que seria possível propor alguma doutrina nova. A Igreja desaconselha esse caminho, pois, com razão, identifica claramente os perigos.

Se alguém deseja entender a mensagem que o Bruno deixou, é aconselhável estar ciente sobre a profunda diferença que existe entre a busca de um Alquimista (gnóstico) e de um Santo. Ao passo que o Alquimista busca em conhecimentos ocultos e sistemas esotéricos respostas para os grandes mistérios, o Santo as busca na fonte de todos os conhecimentos, Deus. Será Bruno um Santo ou um Alquimista?







sexta-feira, 31 de março de 2017

O Projeto Condon e o UFO de Ubatuba

Na década de 60, um importante físico, chamado Edward Condon, nos EUA, foi encarregado pelo governo de conduzir a partir da Universidade de Colorado, uma investigação científica sobre os UFOs (ou OVNIs, objetos voadores não identificados).

Tendo reunido uma equipe de pesquisadores e com um orçamento adequado para a tarefa, em 1968 foi publicado um documento relatando os resultados das investigações, chamado "Scientific Study of Unidentified Flying Objects", mais conhecido como CONDON REPORT.

O documento é grande e pode ser acessado em http://www.bibliotecapleyades.net/sociopolitica/condonreport/full_report/.

A conclusão do relatório foi de que parte dos eventos estudados poderiam ser compreendidos como eventos naturais e que outra parte não produziram evidências suficientes para serem conclusivos. Além disso, conclui que a investigação de UFOs não poderia trazer nada de novo ou útil para a ciência e dessa forma estabaleceu a palavra final sobre o assunto no âmbito da ciência convencional. Nenhum estudo amplo e bem financiado sobre o assunto foi desenvolvido desde então nas universidades.

Teria sido essa a conclusão desejada pelos que encomendaram o estudo? Ou realmente o estudo chegou à melhor conclusão com os dados de que dispunha? Essas questões não são o tema do que segue, mas aos interessados há muito material na internet sobre elas.

Gostaria de tratar sobre o capítulo 3 da seção III, dedicado às evidências físicas existentes à época, em particular sobre uns fragmentos de magnésio que foram recolhidos em uma praia de Ubatuba após a explosão de um UFO sobre as águas.

De acordo com o relatório, um notório ufólogo brasileiro chamado Olavo Fontes relatou sobre a carta que um indivíduo que estava pescando em Ubatuba escreveu  ao jornalista brasileiro Ibrahim Sued. Nesta carta, o pescador conta que não acreditava em UFOs, mas que teria mudado de opinião ao testemunhar um evento espetacular. Estavam ele e alguns amigos pescando em Ubatuba quando repentinemante avistaram um disco voador. O UFO se aproximou da praia a uma velocidade incrível e uma colisão parecia iminente, mas ao estar quase tocando as águas o objeto fez uma manobra brusca e começou a subir para cima. Eles estavam seguindo aquele espetáculo com os olhos quando a nave repentinamente explodiu, espalhando vários fragmentos que depois foram recolhidos e analisados por entidades brasileiras.

De acordo com o laudo das análises feitas no Brasil, tratavam-se de fragmentos de magnésio com uma pureza ímpar, que não poderiam ser produzidos com a tecnologia da época (anterior a 1957).

As amostras foram então analisadas no âmbito do projeto Condon, e comparadas com uma mostra da mesma época fabricada pela Dow Chemical, com o máximo de pureza que eles eram capazes de produzir. O resultado mostrou que as amostras da explosão continham impurezas de Mn, Zn, Cr, Cu, Ba e Sr em graus muito mais elevados (ver tabela). A análise foi realizada por meio de espectrometria gamma. Além disso, foi realizada uma análise por ativação de neutrons para verificar a composição isotópica, pois resultados anteriores pareciam indicar que o fragmento só continha Mg26. No entanto, neste novo estudo não foram encontradas diferenças significativas entre as amostras em seu conteúdo isotópico. 


Aparentemente, se pudermos confiar nos resultados da análise, não havia nada de muito especial, salvo o fato de haver uma porcentagem apreciável de estrôncio, já que métodos tradicionais de produção do magnésio não geram esse tipo de impureza. Foram então feitas análises metalográficas e de microssondas  nas amostras, nos laboratórios da Dow Chemical, da onde se concluiu que o estrôncio estava distribuído uniformemente e com toda probabilidade foi adicionado intencionalmente. No entanto, a análise metalográfica revelou a presença de grãos relativamente grandes e alongados de magnésio, da onde se concluiu que o material não foi trabalhado após a sua solidificação. O relatório colocou então em dúvida a possibilidade de tal material ter sido parte de um objeto de metal fabricado, em frontal contradição com o que tinha sido concluído a partir da distribuição uniforme do estrôncio. O relatório mencionou também que a Dow Chemical antes de 1957 produzia ligas de magnésio contendo estrôncio. Uma delas teria exatamente a mesma concentração de estrôncio que a amostra proveniente da explosão.

Por fim, o relatório concluiu que a alegação de se tratar de um material que não poderia ter sido fabricado à época teria sido definitivamente descartada.  Além disso, acrescentou que a amostra não apresentava composição única e desconhecida, e que portanto não poderia ser utilizada como evidência válida de origem extra-terrestre. 


Atualmente, um pequeno grupo chamado Rede Brasileira de Pesquisas Ufológicas tem em mãos algumas amostras dos fragmentos produzidos no evento citado acima e, até onde sei, estavam tentando arrecadar fundos para analisá-lo. Não sei se já conseguiram os resultados.

Terminamos o texto com a resposta do relatório Condon e deixamos ao leitor  o encargo de tirar as suas próprias conclusões e seguir adiante com sua investigação pessoal.   
   
Elemento Dow Mg.(ppm) Brazil UFO (ppm)
Mn 4.8(5) 35(5)
Al não detectado (< 5) não detectado (< 10)
Zn 5.0(10) 5.0(10).102
Hg 2.6(5) não detectado
Cr 5.9(12) 32(10)
Cu 0.40(20) 3.3(10)
Ba não detectado 160(20)
Sr não detectado 5.0(10).102
   

quinta-feira, 30 de março de 2017

Seria a Física um Arbitrário Cultural?

Recentemente me deparei com um trabalho intitulado "A Física como uma construção cultural arbitrária: Um exemplo da controvérsia sobre o status ontológico das forças inerciais", publicado na Revista Brasileira de Educação em Ciências (link no final). O artigo procura argumentar a favor da tese de que a física é uma construção cultural arbitrária. 

O conceito de arbitrário cultural foi extraído do trabalho do sociólogo Pierre Bordieu. Arbitrário aqui não tem o significado de aleatório. Está mais próximo do exercício de um juiz em um jogo de futebol, isto é, o exercício do juízo com base em um código mediado ou criado pela cultura.

Neste sentido da palavra, a ciência tem algo de arbitrário. Assim como um juiz se baseia em uma regra, a ciência também tem suas próprias regras para arbitrar. Mas essas regras não são exclusivamente culturais, pois é necessário que haja um elemento transcendente à cultura na metodologia científica. Sem este elemento, não há como conectar ciência com realidade. Realidade, por sua vez, não pode ser arbitrada e não é um arbitrário cultural.

Voltamos ao exemplo do jogo de futebol. O fato a ser arbitrado não é arbitrário. Dois juízes apenas podem discordar nos seguintes casos, a saber: fatos mal entendidos; fatos sem punição prevista; desvios simultâneos e intensidade da punição. Mas concordam quanto à regra. E concordam quanto à existência de apenas um entendimento possível e válido do fato. Por exemplo: se o bandeirinha diz que um jogador pois a mão na bola, o juiz vai querer saber quem foi, quando e onde. Se o outro bandeirinha disser que não houve mão na bola, então o juiz não poderá aceitar as duas versões como sendo interpretações igualmente válidas do fato. Uma delas é verdadeira. O fato é único.

Os cientistas precisam acreditar na existência da realidade objetiva e da ordem subjacente ao seu objeto de estudo. Se não fosse assim, o empreendimento científico não teria razão de ser, pois se os fenômenos físicos não tivessem uma ordem intrínseca, seria inútil e infrutífera a busca por ela. 
Agora, se de fato não existisse tal ordem, o cientista teria que se limitar apenas ao arbítrio ou mera escolha em suas teorias. Mas que formulação teórica arbitrária de uma ordem imaginada seria capaz de realizar previsões acertadas a respeito de uma ordem ontologicamente inexistente?

Portanto, a ciência e a física em particular não é um arbitrário cultural, embora possa ter elementos arbitrários em suas teorias. Tais elementos podem deixar de ser arbitrários. Consideremos o seguinte exemplo.

A ciência acumulou uma quantidade enorme de evidências indiretas quanto à existência de átomos. Nos seus estágios mais primordiais, a hipótese atômica ainda tinha um caráter arbitrário. Mas hoje os efeitos físicos em escala atômica detectados pelos microscópios de força atômica não deixam dúvida quanto à realidade objetiva do modelo atômico. Trata-se de evidência direta.

O arbítrio quanto à realidade do modelo atômico deixou de ser "cultural" para ser "factual".

Os elementos da cultura de uma civilização sem dúvida desempenham um papel importante na ciência. No entanto, reduzir a ciência e sua metodologia ao conceito de arbitrário cultural é inaceitável.

Caso fosse aceitável, seríamos obrigados a reconhecer que a teoria atômica só prevaleceu por causa do grito de seus proponentes. Mas a história da ciência jamais poderia ser lida nessa óptica sem com isso desrespeitar a veracidade dos acontecimentos. A teoria atômica teve muitos oponentes. No entanto, o número de evidências experimentais era tão grande, tão vasta, que muitos deles foram convencidos pela força dos fatos e não da cultura. E se hoje há evidências diretas, então teria sido uma feliz coincidência a vitória dos atomistas? 
Apresentar a física como um arbitrário cultural a qualquer um, quanto mais um estudante, não poderia ser feito sem ferir desde a base o seu potencial para a produção de ciência. Se a física é um arbitrário cultural, qual o sentido de seguir uma carreira que consiste em dar suporte à arbitrariedade ou criar novas?
 
A aplicação de tal conceito ao ensino pode ser profundamente prejudicial. No entanto, não queremos com isso desqualificar ou desmerecer o trabalho. Tais esforços contribuem para a percepção dos professores e alunos quanto à existência de elementos arbitrários na teoria, trazendo à tona problemas mal resolvidos, que, por sua vez, ao serem trazidos à tona, podem engendrar aperfeiçoamentos ou favorecer mudanças de paradigmas.  Se por um lado reconhecemos este mérito, por outro, rejeitamos terminantemente a tese de que a Física é um arbitrário cultural tal como entendido por Pierre Bourdieu.

Se no passado a Física era tomada como modelo para as ciências humanas, não deixa de ser curioso que cientistas das humanidades estejam preocupados em modelar ou caracterizar as ciências naturais com conceitos engendrados nas ciências humanas, em contextos bem diversos. Haveria uma arbitrariedade cultural neste esforço?
link: https://seer.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/2512

Nota posterior (fev/2019): Por teoria atômica entende-se aqui sua versão moderna, de acordo com a qual a matéria é composta por pequenas partes potencialmente isoláveis do todo macroscópico, de carga elétrica neutra, composta por um núcleo positivo pesado e uma distribuição de partículas leves, chamadas de elétrons - de carga negativa. Não se deve confundir com o atomismo grego, de acordo com a qual tais partes são efetivamente indestrutíveis, inseparáveis e precisamente localizadas no espaço. Até hoje, não há consenso sobre a existência de partículas totalmente inseparáveis, e a teoria atual sobre as partículas as descrevem como campos.